Dr Rômulo Félix apresenta uma perspectiva sobre o fenômeno marxismo, com suas características e desafios.
INTRODUÇÃO
Nesse texto tratarei da ideologia, tida pela Igreja, como o ápice da filosofia moderna, que como explicado no texto sobre liberalismo, 1 foi responsável pela progressiva separação entre fé e razão e, consequentemente, entre Deus e o homem. Podemos confirmar essa realidade por meio de algumas manifestações papais, as quais destaco duas: uma do Venerável Papa Pio XII e outra do Papa Bento XVI.
Segundo o Venerável Papa Pio XII, o mundo moderno afastou-se progressivamente da verdade, e consequentemente de Deus, por meio de três “nãos” realizados pelo homem. Assim ele afirmou: “Nestes últimos séculos tentou realizar a desagregação intelectual, moral, social, da unidade no organismo misterioso de Cristo. Ele quis a natureza sem a graça, a razão sem a fé; a liberdade sem a autoridade; às vezes a autoridade sem a liberdade. É um “inimigo” que se tornou cada vez mais concreto, com uma ausência de escrúpulos que ainda surpreende: Cristo sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus jamais existiu. E eis, agora, a tentativa de edificar a estrutura do mundo sobre bases que não hesitamos em indicar como principais responsáveis pela ameaça que pesa sobre a humanidade: uma economia sem Deus, um Direito sem Deus, uma política sem Deus”. 2Em poucas palavras, Pio XII descreveu o caminhar histórico do homem num progressivo afastar-se de Deus e, consequentemente de si mesmo. Nesse caminhar descrito por ele, temos o não de Lutero à Igreja; o não a Cristo da Renascença e das filosofias modernas e, por fim, o não a Deus de Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) e Karl Marx (1818 – 1883). Assim ele coloca Karl Marx, ou o marxismo, como o final dessa progressiva degradação filosófica, moral e também espiritual do homem com graves consequências para a economia, para a o direito e para a política, ou seja, para toda a sociedade humana. Desse terceiro não, que é o não a Deus do marxismo, veio o quarto e último não como consequência final: o não do homem a si mesmo, à sua própria natureza, e também à sua justa relação com toda a obra criada por Deus. O marxismo, então, não é o único responsável, segundo afirma o Papa Pio XII, de toda a degradação moral, intelectual e social que vimos no tempo moderno, mas sim o ápice dessa degradação e veremos o porquê no restante desse texto.
Já o Papa Bento XVI, na sua Encíclica Spe Salvi, descreveu sucintamente o progredir da corrupção das filosofias modernas e na relação entre fé, razão, liberdade e progresso e as consequências para a esperança cristã no tempo moderno. Em sua explanação ele passa por Francisco Bacon e sua substituição da fé cristã no retorno a amizade com Deus em Cristo para uma fé no progresso, entendido como puramente científico e prático, ou seja, materialista e temporal, em que se modifica a esperança cristã transcendente para uma esperança puramente imanente; pelo racionalismo onde se instaura o “reino da razão”; pelo iluminismo de Kant, e sua substituição da fé eclesiástica, ou seja, a fé da Igreja, numa fé puramente racional e que essa passagem da fé eclesiástica para a racional poderia ser apressada no tempo por meio de revoluções; até chegar no marxismo como o final dessa progressão, em que o progresso é entendido como algo puramente materialista, sem qualquer relação com a fé. 3 O papa Bento XVI reconhece que Karl Marx buscou dar uma resposta diante dos graves problemas sociais de sua época e que foram gerados pelo liberalismo, mas nos explica que Marx cometeu graves erros tanto de análise como de práxis, além de ter sido incompleto na formulação de sua solução. Sobre os erros de Marx, assim afirmou o Papa: “Ele (Marx) indicou com exatidão o modo como realizar o derrubamento (das estruturas de poder geradoras dos problemas sociais de sua época). Mas, não nos disse, como as coisas deveriam proceder depois. Ele supunha simplesmente que, com a expropriação da classe dominante, a queda do poder político e a socialização dos meios de produção, ter-se-ia realizado a Nova Jerusalém. Com efeito, então ficariam anuladas todas as contradições; o homem e o mundo haveriam finalmente de ver claro em si próprios. Então tudo poderia proceder espontaneamente pelo reto caminho, porque tudo pertenceria a todos e todos haviam de querer o melhor um para o outro (como a sociedade pensada por Rousseau em sua filosofia liberal) 1. Assim, depois de cumprida a revolução, Lenin deu-se conta de que, nos escritos do mestre, não se achava qualquer indicação sobre o modo como proceder. É verdade que ele tinha falado da fase intermédia da ditadura do proletariado como de uma necessidade que, porém, num segundo momento ela mesma se demonstraria caduca. Esta ‘fase intermédia’ conhecemo-la muito bem e sabemos também como depois evoluiu, não dando à luz o mundo sadio, mas deixando atrás de si uma destruição desoladora. Marx não falhou só ao deixar de idealizar os ordenamentos necessários para o mundo novo; com efeito, já não deveria haver mais necessidade deles. O fato de não dizer nada sobre isso é lógica consequência da sua perspectiva. O seu erro situa-se numa profundidade maior. Ele esqueceu que o homem permanece sempre homem. Esqueceu o homem e a sua liberdade. Esqueceu que a liberdade permanece sempre liberdade, inclusive para o mal. Pensava que, uma vez colocada em ordem a economia, tudo se arranjaria. O seu verdadeiro erro é o materialismo: de fato, o homem não é só o produto de condições econômicas nem se pode curá-lo apenas do exterior criando condições económicas favoráveis.” 3
Podemos concluir, então, que o marxismo é de fato o ápice da corrupção filosófica e base para uma degradação da sociedade sem precedentes na história. A partir do marxismo, várias ideologias, movimentos e revoluções surgiram com forte influência no seio da sociedade com graves mudanças culturais, tomando como base toda ou parte da teoria marxista e adaptando-a a cada realidade particular. Como exemplos temos o gramiscismo, o marcusianismo, a revolução sexual e tantas outras frentes ideológicas, movimentos e revoluções que surgiram sob inspiração marxista.
O marxismo nasceu como fruto do liberalismo, seja porque Karl Marx se utilizou de elementos da ideologia liberal para construir sua ideologia, já que a sociedade final pensada por ele é a mesma que a sociedade liberal pensada por Rousseau, 1 seja pelo contexto social criado pelo liberalismo que foi o fundamento pelo qual marxismo surgiu. O Papa Leão XIII, em sua Encíclica Rerum novarum, nos indica essa verdade ao considerar como causas do surgimento do socialismo, a destruição dos corpos intermédios, o desaparecimento dos princípios religiosos das leis e das instituições públicas, que tornaram os trabalhadores indefesos e isolados, ficando entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça duma concorrência desenfreada, além disso, se acrescenta o monopólio do trabalho e dos papéis de crédito, que se tornaram o quinhão dum pequeno número de ricos e de opulentos, que impõem assim um jugo quase servil à imensa multidão dos proletários. 4 Em unidade com o Papa Leão XIII, o Papa Pio XI assim afirmou: “Não haveria nem socialismo nem comunismo, se os que governam os povos não tivessem desprezado os ensinamentos e as maternais advertências da Igreja; eles, porém, quiseram, sobre as bases do liberalismo e do laicismo, levantar outros edifícios sociais que à primeira vista pareciam poderosas e magníficas construções, mas bem depressa se viu que careciam de sólidos fundamentos, e se vão miseravelmente desmoronando, um após outro, como tem que desmoronar-se tudo quanto não se apoia sobre a única pedra angular, que é Jesus Cristo.” 5
Dado a importância dessa ideologia como a principal responsável pela degradação intelectual, moral e social que vimos na sociedade humana nos séculos XX e XXI, vou dividir esse texto em quatro partes para facilitar a leitura. Nessa primeira parte tratei de fazer uma introdução sobre essa ideologia; na próxima parte tratarei da teoria ou doutrina marxista; na terceira parte tratarei da ideia marxista do homem, da economia, do estado e da sociedade e na quarta e última parte tratarei sobre a revolução cultural marxista.
Salve Maria e Viva Cristo Rei!
Rômulo Felix do Rosário, casado, pai de 5 filhos, sendo 3 no Céu, médico pediatra, professor no Centro Anchieta (www.centroanchieta.org), uma iniciativa de fiéis católicos que visa promover a cultura católica nos mais variados âmbitos da vida do homem tendo como finalidade a busca da santidade. Coordenador do Projeto Social Vida, um grupo pró-vida da paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, área pastoral de Vila Velha e Ministro Extraordinário da Distribuição da Sagrada Comunhão Eucaristia na mesma paróquia.

Referências:
- https://bompastorpraia.com.br/web-serie-doutrina-social-da-igreja-liberalismo
- Papa Pio XII, Alocução à União dos Homens da Ação Católica Italiana, 12 de outubro de 1952
- Papa Bento XVI, Encíclica Spe salvi, nº 16 – 23
- Papa Leão XIII, Encíclica Rerum novarum, nº 2.
- Papa Pio XI, Encíclica Divinis redemptoris, nº 38.