O princípio da subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade

O princípio da subsidiariedade tem como fundamento a natureza racional, livre e responsável do homem, pois o homem é capaz de criar, de se associar e de se responsabilizar pelo que livremente faz e cria e também pelas pessoas a quem lhe estão associadas. A negação desse princípio leva a negação da própria pessoa, tornando-o irresponsável e escravo, pois perde a liberdade de ação, criação e de associação, afetando também a compreensão da real responsabilidade que a pessoa tem consigo mesmo e com a realidade que o cerca e em última instância, sua responsabilidade para com Deus, à Quem tudo a pessoa humana deve ordenar.


O termo subsidiariedade vem da palavra Subsdium que significa apoio, ajuda, suplência. Tal princípio se fundamente na verdade de que toda ordem social e econômica deve ser edificada de baixo para cima, a partir dos corpos naturais mais basilares, para ser uma edificação que respeite a ordem natural. Sendo a família o corpo natural mais basilar, o princípio da subsidiariedade se fundamente, antes de tudo, na proteção e promoção da família.


Os corpos naturais


Mas para compreensão do princípio da subsidiariedade é fundamental compreender o que sejam os corpo naturais ou corpos sociais, tão citados pela Doutrina Social não só pelo termo “corpos naturais”, como também “corpos intermédios” ou “corpos intermediários” ou ainda “corpos sociais intermédios”, que são os corpos naturais compreendidos entre a família, o menor corpo natural, e o Estado Nacional, maior corpo natural.


Conforme consta no Compêndio da Doutrina Social, os corpos naturais são “as expressões agregativas de tipo econômico, social, cultural, desportivo, recreativo, profissional, político, às quais as pessoas dão vida espontaneamente” ¹, ou seja, são as associações humanas que nascem da própria natureza social do homem, como, por exemplo, a família que nasce da própria natureza do homem e da mulher de se unirem em matrimônio e terem filhos. Outro exemplo são as associações profissionais, pois é natural que pessoas que exercem ofícios profissionais semelhantes se unam em associações para troca de conhecimento e fortalecimento do próprio ofício profissional no seio da sociedade. Como esses exemplos, há vários outros no campo político, econômico, social, cultural, desportivo, recreativo, como dito mais acima na citação do Compêndio da Doutrina Social da Igreja.


Uma interessante e didática explicação do que são os corpos naturais foi realizada pelo professor Igor Awad, do Centro Anchieta, a partir da visão de uma concepção orgânica da sociedade. Assim ele explica como surgem os corpos naturais: “Da mesma forma que nosso corpo físico se estrutura na dinâmica associativa e integrativa de células, tecidos e órgãos que trabalham para a consecução de determinado fim — nesse caso em específico, a finalidade é a preservação, a manutenção e o desenvolvimento da vida — os corpos sociais obedecem a essa mesma dinâmica: o corpo biológico, ou seja, a pessoa humana nasce dentro de um corpo social: a família. Esta consiste na união natural entre um homem e uma mulher para a preservação e perpetuação da vida humana. É interessante reparar que, assim como o corpo biológico da pessoa humana consiste numa associação e articulação de diversas células, tecidos e órgãos que trabalham em vista da preservação, funcionamento e desenvolvimento da vida humana, também a família consiste numa associação natural para a consecução desse mesmo fim.”². Assim como a família, todos os outros corpos naturais nascem pela mesma razão e finalidade, ou seja, nascem pela própria natureza humana e possuem a finalidade de preservação, perpetuação e desenvolvimento do homem. É impossível promover a dignidade da pessoa sem que se cuide dos corpos naturais que tornam possível um efetivo crescimento pessoal e social.


O conjunto dos corpos naturais formam o que chamamos sociedade civil “entendida como o conjunto das relações entre indivíduos e entre sociedades intermédias (ou corpos intermediários), que se realizam de forma originária e graças à a subjetividade criativa do cidadão. A rede destas relações inerva o tecido social e constitui a base de uma verdadeira comunidade de pessoas, tornando possível o reconhecimento de formas mais elevadas de sociabilidade.”¹.

Toda a sociedade civil, que formam o conjunto de pessoas a que chamamos “povo”, necessita ser formado por essas associações humanas para ser de fato um povo orgânico, fundamentado na ordem natural e assim ser uma sociedade onde a pessoa humana encontre o ambiente favorável para o seu verdadeiro desenvolvimento integral. As pessoas, ao se organizarem nessas associações, devem procurar, a partir de sua história, de seus valores e princípios, as melhores soluções para seus problemas, tendo o Estado como colaborador para viabilizar estas soluções em vista do bem comum.


Um povo ou sociedade civil não pode ser formado por uma massa atomizada de indivíduos, onde os indivíduos, isoladamente, assumem o papel da construção da identidade de um povo ou nação. Um povo só existe na interdependência dos indivíduos, manifestado exatamente na formação orgânica dos corpos naturais. Não é sem razão que a Igreja afirma só ser possível existir uma ordem econômica justa se a mesma for fundamentada nos corpos naturais e nos indivíduos nesses corpos.


São esses corpos intermediários que movimentam a economia, pois são neles que as pessoas exercem seus ofícios não só para subsistência de sua família e própria, como também para colaborar para o bem comum na medida que exercem ofícios que se voltam para bom proveito de toda a sociedade, desde que exercido de forma virtuosa. Como exemplos podemos citar o ofício do médico que se volta para o bem da saúde dos membros da sociedade ou o ofício do professor para o bem do conhecimento os membros da sociedade ou ainda o ofício policial que se volta para o bem da segurança pública, temos também o agricultor, o engenheiro, o governante, o empresário, o faxineiro, o gari e tantos outros exemplos de ofícios exercidos por pessoas, dentro de um corpo intermediário, que se voltam para o bem de toda a sociedade humana.


Outra exigência fundamental do princípio da subsidiariedade é a necessidade de que todas as sociedades de ordem superior devem pôr-se em atitude de ajuda em relação às menores³, assim sendo, cada corpo intermediário que ocupa um grau maior na hierarquia de autoridade ou de poder econômico ou social, deve colaborar para que os de ordens inferiores permaneçam existindo e se desenvolvendo, e ambas tenham uma justa relação de mutua interdependência.


Fere gravemente o princípio da subsidiariedade quando os corpos intermediários de ordens superiores absorvem os de ordens inferiores, impedindo ou assumindo eles mesmo as ações que competiam por direito às ordens inferiores, pois “não é lícito tolher aos indivíduos o que eles podem realizar com as forças e a indústria própria para confiá-lo à comunidade, assim também é injusto remeter a uma sociedade maior e mais alta aquilo que as comunidades menores e inferiores podem fazer, porque o objeto natural de todo e qualquer intervento da sociedade mesma consiste em ajudar de maneira supletiva os membros do corpo social, não já destruí-las e absorvê-las”³


Podemos então sintetizar o princípio da subsidiariedade da seguinte forma:


• Cabe aos particulares e aos grupos de categoria inferior as atribuições que eles possam desempenhar;
• Grupos de maior hierarquia devem ajudar os de menor hierarquia suprindo-os naquilo que necessitam;
• O grupo de maior hierarquia só deve substituir o de ordem inferior quando a este lhe faltar os elementos indispensáveis para sua atuação.


O papel do Estado


O papel do Estado ou autoridade política é fundamental para que o princípio da subsidiariedade possa vigorar de fato na sociedade. Cabe ao Estado velar para que a subsidiariedade vigore em todos os níveis, pois é a autoridade política que deve exercer essa autoridade para que o fim de sua ação seja o bem comum temporal e não haverá bem comum sem que se respeite o princípio da subsidiariedade, que exige que o Estado cumpra sua função governativa de supervisão, ordenamento, coordenação e arbitragem para fazer com que os corpos intermédios, que formam a sociedade civil, possam manter suas relações em harmonia e ordenamento, numa justa e necessária interdependência, sempre em vista do bem comum.


Um Estado que tem por fundamento o princípio da subsidiariedade é, obrigatoriamente, descentralizado, ou seja, ele não deve assumir funções que a iniciativa privada pode exercer por si mesmo, a não ser em casos excepcionais onde a sociedade civil está impossibilitada de assumir autonomamente a iniciativa ou nas graves realidades de desequilíbrio e injustiça social onde somente a intervenção pública pode criar condições de equilíbrio e justiça social, mas tal suplência deve ser por um tempo estritamente necessário e ter caráter excepcional4.


Uma grande perversão da função do Estado é o “Estado mínimo” liberal, que defende a tese de um Estado como simples protetor das liberdades individuais e da propriedade de cada cidadão, sem função ativa na sociedade e partindo de uma visão errônea do que seja verdadeiramente liberdade (tratarei desse assunto no texto sobre o liberalismo). Tal concepção de Estado se opõe aos corpos intermediários, por considerá-los limitadores da liberdade individual que deve ser absoluta e regulada apenas pelo mercado, pois o “Estado mínimo” liberal enxerga a sociedade como formada por vários indivíduos independentes entre si e não por corpos naturais interdependentes e onde os indivíduos estão inseridos.
Outra perversão ainda maior da função do Estado é o Estado socialista coletivista e/ou assistencialista, onde o Estado absorve todos os corpos intermediários. Em tal concepção de “Estado máximo” é função do Estado toda a produção, regulação e assistência dos bens aos indivíduos a ele subordinados, sendo esses indivíduos apenas “engrenagens” da “máquina” chamada sociedade. O indivíduo existe para o bem da sociedade, excluindo o bem pessoal, familiar e das associações humanas, desaparecendo, então, diante da coletividade, não sendo assim um indivíduo livre e responsável. Em tal sociedade não há interdependência entre os corpos naturais e nem mesmo entre os indivíduos, estando todos dependentes da assistência do Estado e tal dependência se configura escravidão, como bem indicado no Compêndio da Doutrina Social: “Ao intervir diretamente, irresponsabilizando a sociedade, o Estado assistencial provoca a perda de energias humanas e o aumento exagerado do setor estatal, dominando mais por lógicas burocráticas do que pela preocupação de servir os usuários com um acréscimo enorme das despesas. A falta de reconhecimento ou o reconhecimento inadequado da iniciativa privada, também econômica, e da sua função pública, bem como os monopólios, concorrem para mortificar o princípio de subsidiariedade” 5


A atuação do princípio da subsidiariedade


A atuação prática desse princípio é exercida5:
• no respeito e na promoção efetiva do primado da pessoa e da família;
• na valorização dos corpos intermediários;
• no incentivo oferecido à iniciativa privada;
• na salvaguarda dos direitos humanos e das minorias;
• na descentralização burocrática e administrativa;
• no equilíbrio entre a esfera pública e a privada;
• numa adequada responsabilização do cidadão no seu ser parte ativa da realidade política e social do País.


Essa atuação deve ser exercida sempre em benefício do bem comum, para o verdadeiro desenvolvimento de todos os homens e do homem todo, na sua integralidade, 6 pois “o bem comum, corretamente entendido, cujas exigências não deverão de modo algum estar em contraste com a tutela e a promoção do primado da pessoa e das suas principais expressões sociais, deverá continuar a ser o critério de discernimento acerca da aplicação do princípio de subsidiariedade”4

Rômulo Felix do Rosario, casado, pai de 5 filhos, sendo 3 no Céu, médico pediatra, professor no Centro Anchieta (www.centroanchieta.org), uma iniciativa de fiéis católicos que visa promover a cultura católica nos mais variados âmbitos da vida do homem tendo como finalidade a busca da santidade. Coordenador do Projeto Social Vida, um grupo pró-vida da paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, área pastoral de Vila Velha e Ministro Extraordinário da Distribuição da Sagrada Comunhão Eucaristia na mesma paróquia.

Referências:

  1. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, cân. 185
  2. https://medium.com/@igorawad/a-mentalidade-revolucion%C3%A1ria-e-a-destrui%C3%A7%C3%A3o-dos-corpos-naturais-f342fc749e90
  3. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, cân. 186
  4. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, cân. 188
  5. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, cân. 187
  6. https://bompastorpraia.com.br/o-principio-do-bem-comum/

Pascom Paróquia Bom Pastor

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