Websérie Doutrina Social da Igreja
O princípio da solidariedade é uma virtude eminentemente cristã em que se pratica a partilha dos bens espirituais, ainda mais que os materiais. 1 Tal princípio é uma exigência direta da fraternidade humana e cristã, seja pela mesma origem dos homens criados a imagem e semelhança de Deus, seja pela igualdade racional entre os homens, seja, acima de tudo, pelo sangue Preciosíssimo de Cristo derramado em favor da humanidade pecadora. 2
Diante da fraternidade humana, o homem deve reconhecer sua relação de interdependência tanto entre os indivíduos, bem como entre os corpos naturais, inclusive entre os Estados, para um real avançar rumo a uma unidade fraterna entre todos, onde todos trabalhem em vista do desenvolvimento de si e do próximo, visto não só como um semelhante a si, mas como um irmão a quem devo, por amor, colaborar no seu desenvolvimento.
A solidariedade manifesta-se então na repartição equitativa dos bens e na remuneração justa do trabalho no âmbito individual e, no campo dos Estados, implica um esforço por uma ordem social mais justa, em que as tensões possam ser melhor resolvidas e os conflitos encontrem mais facilmente uma saída negociada. 3
Os problemas socioeconômicos só podem ser resolvidos com a ajuda de todas as formas de solidariedade, seja dos pobres entre si, dos ricos com os pobres, dos trabalhadores entre si, dos empresários e empregados na empresa e até entre as nações e entre os povos. A solidariedade internacional é uma exigência de ordem moral e dela depende, em parte, a paz do mundo. 4 A solidariedade, então, não é um simples movimento de ajuda aos mais necessitados, mas é antes um assumir a responsabilidade com o desenvolvimento do próximo, em especial daqueles que se encontram em situação mais desfavorável, responsabilidade essa que também se espera da relação entre os Estados.
A solidariedade e os bens espirituais
A solidariedade não se restringe aos bens materiais, mas acima de tudo envolve os bens espirituais, pois foi com a difusão dos bens espirituais, realizado pela Igreja, que os bens materiais puderam ser acrescidos e melhor distribuídos no seio da sociedade. Nenhuma instituição no mundo foi, e ainda é, mais solidária com o gênero humano do que a Santa Igreja Católica e nenhuma instituição teve tantos membros que deram suas vidas pelo bem do próximo e de toda a sociedade humana. Seja no campo da política, com governantes justos; seja no campo da saúde, com hospitais e centros de acolhidas de doentes; seja no campo da ciência, com um alargar contínuo do conhecimento, dado o compromisso da Igreja com a verdade. Nesses e em tantos outros campos, os membros da Igreja, iluminados por Ela, contribuíram para tornar mais digna a vida do homem sobre a Terra. 5
Solidariedade: princípio social e virtude moral
O princípio da solidariedade se apresenta sobre dois aspectos complementares: o de princípio social e o de virtude moral. Como princípio social, se apresenta como ordenador das instituições onde devem ser superadas as estruturas de pecado e transforma-las em estruturas de solidariedade mediante a criação ou a oportuna modificação de leis, regras do mercado e ordenamentos, 6 tudo em vista do bem comum e sustentados pela Moral Católica. Como virtude moral, se apresenta como a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, na consciência de reconhecer que todos são responsáveis por todos. 6
“A solidariedade eleva-se ao grau de virtude social fundamental, pois se coloca na dimensão da justiça, virtude orientada por excelência para o bem comum, e na aplicação em prol do bem do próximo, com a disponibilidade, em sentido evangélico, para ‘perder-se’ em benefício do próximo em vez de o explorar, e para ‘servi-lo’ em vez de o oprimir para proveito próprio (cf. Mt 10, 40-42; 20, 25; Mc 10, 42-45; Lc 22, 25-27)”. A solidariedade é, portanto, como o Espírito que ordena toda a Doutrina Social, pois somente com a solidariedade o homem pode sair de si ao encontro do outro e lhe fazer justiça, sem que se busque tirar proveito egoístico, pois a solidariedade é a gratuidade do agir em prol do outro.
A solidariedade e o caminho de unidade
O princípio da solidariedade “exprime em síntese a exigência de reconhecer, no conjunto dos liames que unem os homens e os grupos sociais entre si, o espaço oferecido à liberdade humana para prover ao crescimento comum, de que todos partilhem. A aplicação nesta direção se traduz no positivo contributo que não se há de deixar faltar à causa comum e na busca dos pontos de possível acordo, mesmo quando prevalece uma lógica de divisão e fragmentação; na disponibilidade a consumir-se pelo bem do outro, para além de todo individualismo e particularismo” 7, e quando a Igreja fala em pontos de possíveis acordos, ela exclui dos acordos, todos os pontos que ferem a lei natural e atentam contra a Revelação Divina, pois tudo que atenta contra a Moral Católica, atenta contra o homem e fere o princípio do bem comum.
O diálogo é fundamental para romper com o espirito individualista e particularista, seja dos indivíduos, seja dos povos, pois revela o esforço de buscar uma unidade benéfica em vista do bem comum de todos, mas todo o diálogo que pretenda alcançar a unidade deve partir de uma base sólida una e imutável para não se corromper e se voltar contra o próprio homem e essa base sólida é a Moral Católica, pois fora da lei natural e de Cristo não há verdadeira unidade do gênero humano.
A solidariedade e a interdependência dos homens
Um outro aspecto importante do princípio da solidariedade é a consciência que ele imputa nos homens do débito que possuem para com a sociedade em que estão inseridos. 8 Ninguém nasce para unicamente ser servido, cada um tem sua parcela no servir. Faz parte da natureza do homem trabalhar para sua subsistência, pois quem assim não faz, não merece receber o que precisa para se manter (cf 2 Tl, 3, 10), salvo quem, por razões físicas ou mentais, estão impossibilitados ao trabalho. Mas acontece que muitas vezes o salário do trabalho não é o suficiente para que a pessoa proveja o necessário para sua subsistência e de sua família, sendo assim necessário a solidariedade de outras pessoas para o seu socorro.
Outra realidade importante é que os frutos do trabalho do homem não se voltam em benefício apenas de si e de sua família, mas também se voltam para o bem da sociedade humana, como por exemplo um médico em que seu ofício se volta para o bem da saúde de outros, ou dos professores em que seu ofício se volta para bem do conhecimento de outros, ou ainda de um governante, onde seu ofício se volta para o bem de seus governados. Assim sendo, mais uma vez, podemos notar a interdependência entre os homens, em que toda a sociedade necessita dos ofícios de seus membros para um bom desenvolvimento orgânico da mesma, por isso, é fundamental que todos sejam solidários e deem o seu contributo para a sociedade em que estão inseridos, pois eles mesmos receberam os benefícios dos trabalhos de outrem.
A solidariedade entre as pessoas não se restringe somente aos indivíduos e aos povos de uma geração, mas também entre as diferentes gerações. Cada pessoa deve ser solidária também com as futuras gerações, pois uma geração que se encerra em si mesma se torna estéril e se autodestrói, por isso, cada geração, animados pela solidariedade, deve trabalhar não só em vista do desenvolvimento das pessoas de sua geração, mas também em vista do desenvolvimento das gerações futura, pois todo o gênero humano de todas as gerações possuem um vínculo de unidade, pois Aquele que os criou e os redimiu, não contempla a humanidade temporalmente, mas em sua totalidade, em todas as gerações até a consumação dos tempos. Jesus Cristo é o vínculo de unidade de todo o gênero humano e de todas as gerações.
Além do débito com a sociedade em que estão inseridos, todos os homens possuem um débito para com Deus, seja pelo dom da vida que receberam, seja pela salvação que lhe foi aberto pela solidariedade de Deus para com a humanidade, manifestada em Cristo Jesus, sendo assim, “ninguém veio ao mundo a passeio”, como diz o ditado, toda pessoa humana veio ao mundo com uma missão específica dado por Aquele que o enviou, sendo assim, cada pessoa deve buscar conformar sua vontade com a vontade Divina e cumprir nesse mundo o que a Divina Providência dispor para cada um e, tal cumprimento, se volta em benefício não só pessoal, mas também em benefício de toda sociedade humana.
Jesus Cristo: o vértice insuperável de solidariedade
Encerro esse texto transcrevendo um trecho do compêndio da Doutrina Social da Igreja em que, de forma magistral, a Igreja nos mostra quem é o vértice insuperável da solidariedade e com que radicalidade ela deve ser vivida:
“O vértice insuperável da perspectiva indicada é a vida de Jesus de Nazaré, o Homem novo, solidário com a humanidade até à ‘morte de cruz’ (Fil 2,8): n’Ele é sempre possível reconhecer o Sinal vivente daquele amor incomensurável e transcendente do Deus-conosco, que assume as enfermidades do seu povo, caminha com ele, salva-o e o constitui na unidade. N’Ele a solidariedade alcança as dimensões do mesmo agir de Deus. N’Ele, e graças a Ele, também a vida social pode ser redescoberta, mesmo com todas as suas contradições e ambiguidades, como lugar de vida e de esperança, enquanto sinal de uma graça que de continuo é a todos oferecida e que, enquanto dono, convida às formas mais altas e abrangentes de partilha. Jesus de Nazaré faz resplandecer aos olhos de todos os homens o nexo entre solidariedade e caridade, iluminando todo o seu significado: À luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir as dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do perdão e da reconciliação. O próximo, então, não é só um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais; mas torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do Espírito Santo. Por isso, ele deve ser amado, ainda que seja inimigo, com o mesmo amor com que o ama o Senhor; e é preciso estarmos dispostos ao sacrifício por ele, mesmo ao sacrifício supremo: ‘dar a vida pelos próprios irmãos’ (cf. 1 Jo 3, 16).” 9
Salve Maria e Viva Cristo Rei!

Rômulo Felix do Rosario, casado, pai de 5 filhos, sendo 3 no Céu, médico pediatra, professor no Centro Anchieta (www.centroanchieta.org), uma iniciativa de fiéis católicos que visa promover a cultura católica nos mais variados âmbitos da vida do homem tendo como finalidade a busca da santidade. Coordenador do Projeto Social Vida, um grupo pró-vida da paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, área pastoral de Vila Velha e Ministro Extraordinário da Distribuição da Sagrada Comunhão Eucaristia na mesma paróquia.
Referencias:
- CIC, cân. 1948
- CIC, cân. 1939
- CIC, cân. 1940
- CIC, cân. 1941
- CIC, cân. 1942
- Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 193
- Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 194
- Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 195
- Compêndio da Doutrina Social da Igreja, nº 196